MANDATOS COLETIVOS E PROMESSAS DE CAMPANHA: A EXPERIÊNCIA DA BANCADA FEMINISTA DO PSOL


MANDATOS COLECTIVOS Y PROMESAS DE CAMPAÑA: LA EXPERIENCIA DE LA BANCA FEMINISTA DEL PARTIDO PSOL


COLLECTIVE MANDATES AND CAMPAIGN PLEDGES: THE EXPERIENCE OF THE PSOL FEMINIST CAUCUS




Kauany TAVARES DE OLIVEIRA1

e-mail: kauany.tav@gmail.com


Simone DINIZ2

e-mail: simonediniz@ufscar.br


Como referenciar este artigo:


TAVARES DE OLIVEIRA, K. T.; DINIZ, S. Mandatos coletivos e promessas de campanha: a experiência da Bancada Feminista do PSOL. Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v. 33, n. 00, e024013, 2024. e-ISSN: 2236-0107. DOI:

https://doi.org/10.14244/tp.v33i00.1108


| Submetido em: 05/04/2024

| Revisões requeridas em: 16/05/2024

| Aprovado em: 22/09/2024

| Publicado em: 11/12/2024



Editora:

Profa. Dra. Simone Diniz

Editor Adjunto Executivo:

Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz


1 Graduada em Ciências Sociais com ênfase em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (2024). 2 Mestrado em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (1998) e doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2005). Atualmente é professora associada da Universidade Federal de São Carlos.

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Mandatos coletivos e promessas de campanha: a experiência da Bancada Feminista do PSOL


RESUMO: Este artigo dialoga com a literatura sobre sub-representação política de grupos sociais e para tanto, toma como objeto empírico a atuação do mandato coletivo Bancada Feminista, eleita para a Câmara de Vereadores de São Paulo, em 2020, em dois momentos distintos: durante a campanha eleitoral e no exercício do mandato de vereança. Nosso objetivo é verificar se os temas de maior saliência presentes nas promessas de campanha da Bancada se mantiveram nos Projetos de Lei apresentados pelas co-vereadoras. Procuramos indícios de proximidade entre o que foi prometido no momento de autorização e a atividade legislativa do mandato, pois essa proximidade melhora a qualidade da representação. Os resultados encontrados demonstram convergência temática entre promessas de campanha e atuação parlamentar e centralidade de questões relativas às mulheres.


PALAVRAS-CHAVE: Sub-representação política. Promessas de campanha. Mandato coletivo.


RESUMEN: Este artículo dialoga con la literatura sobre la subrepresentación política de grupos sociales y, para ello, toma como objeto empírico el trabajo del mandato colectivo Bancada Feminista, elegido para el Ayuntamiento de São Paulo en 2020, en dos momentos distintos: durante la campaña electoral y en el ejercicio del mandato de la concejala. Nuestro objetivo es verificar si los temas más destacados presentes en las promesas de campaña de la Banca se mantuvieron en los proyectos de ley presentados por las co-concejalas. Buscamos signos de proximidad entre lo prometido en el momento de la elección y la actividad legislativa del mandato, ya que esta proximidad mejora la calidad de la representación. Los resultados encontrados demuestran una convergencia temática entre las promesas de campaña y el desempeño parlamentario. Además, se destaca la centralidad de las cuestiones relacionadas con las mujeres.


PALABRAS CLAVE: Subrepresentación política. Promesas de campaña. Mandato colectivo.


ABSTRACT: This article engages with the literature on the political underrepresentation of social groups and, to this end, takes as its empirical object the actions of the collective mandate Bancada Feminista, elected to the São Paulo City Council in 2020, at two different periods: during the electoral campaign and the council term. Our objective is to verify whether the most prominent themes in the campaign pledges of the Caucus were maintained in the bills presented by the co-councilwomen. We looked for signs of proximity between what was pledged during the election and the legislative activity of the mandate, as this proximity improves the quality of representation. The results demonstrate thematic convergence between campaign pledges and parliamentary activity. Additionally, they highlight the centrality of issues related to women.


KEYWORDS: Political underrepresentation. Campaign pledges. Collective mandate.


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Kauany Tavares de OLIVEIRA e Simone DINIZ


Introdução


Na eleição para a Câmara Municipal de São Paulo, em 2020, foi eleita, com 46.242 votos, a Bancada Feminista, composta por cinco mulheres: Silvia Ferraro, Paula Nunes, Carolina Iara, Dafne Sena e Natália Chaves. Esta Bancada se identificava como um mandato coletivo, ou nas palavras das co-vereadoras “Uma Mandata”, eleita pelo PSOL.

Segundo o documento “Mandatos coletivos e compartilhados: desafios e possibilidades para a representação legislativa no século XXI” (Raps, 2019), os mandatos coletivos são: “(...) uma forma de exercício de mandato legislativo em que o representante eleito se compromete a dividir o poder com um grupo de cidadãos” (p. 15).

Mandatos coletivos no Brasil existem desde 1994, (Silva; Secchi; Cavalheiro, 2021) e de lá para cá já foram mapeadas 423 candidaturas, que resultaram em 54 mandatos coletivos eleitos. Essas candidaturas concorreram por diversos partidos, com os mais distintos posicionamentos.

Embora a experiência não seja nova no Brasil, o número de candidaturas coletivas aumentou muito nas últimas eleições. A razão para este aumento, segundo a literatura (Raps, 2019; Silva; Secchi; Cavalheiro, 2021), é a busca por inovações políticas capazes de mudar a relação entre representantes e eleitores.

Os mandatos coletivos têm a proposta de operar em uma espécie de acordo tácito entre representante e grupos de cidadãos (Silva, Secchi; Cavalheiro, 2021), exercendo o poder de forma cooperativa. Um mandato coletivo, nas palavras de Secchi (2019, p.22 apud Trotta, 2020), é uma forma de organização onde o legislador consulta pessoas para só então definir seu posicionamento, em oposição a um sistema onde o legislador pode decidir conforme sua consciência e seus interesses.

É preciso diferenciar mandatos coletivos de candidaturas coletivas. Todo mandato coletivo é uma candidatura coletiva, mas nem toda candidatura coletiva é um mandato coletivo. Neste último, um número limitado de pessoas compartilha as responsabilidades e tarefas e, as decisões são tomadas após debate, de forma horizontal. Já uma candidatura coletiva pode abarcar muitas pessoas, por isso a votação é o formato adotado para a tomada de decisões. Neste caso existe diferenciação entre quem está exercendo o mandato e os demais integrantes.

O presente artigo tem como objetivo analisar a atuação do mandato coletivo Bancada Feminista em dois momentos distintos: durante a campanha eleitoral e no exercício do mandato de vereança. Busca-se verificar se os temas de interesse apresentados aos eleitores durante a campanha convergem com aqueles efetivamente perseguidos ao longo do mandato. Parte-se do

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pressuposto de que as promessas de campanha revelam aspectos importantes sobre as prioridades e os interesses do candidato ou, neste caso, do coletivo que compõe o mandato. Por essa razão, mapeiam-se os temas mais relevantes durante o período eleitoral e examina-se se há continuidade desses temas na atuação parlamentar do mandato coletivo.

Para tanto, o artigo está estruturado em três seções principais. Na primeira, contextualiza-se o surgimento das candidaturas coletivas e discutem-se os dilemas da representação política de grupos historicamente sub-representados. Em seguida, detalham-se os procedimentos metodológicos empregados para a operacionalização da pesquisa. Por fim, apresenta-se uma análise descritiva dos dados coletados e as considerações finais decorrentes do estudo.


A Bancada Feminista


Em 2020 foram eleitos para a Câmara de Vereadores de São Paulo dois mandatos coletivos: a Bancada Feminista e o Quilombo Periférico, ambos pelo mesmo partido, o PSOL, uma indicação que o formato de mandato coletivo não era mais uma “experiência”, mas sim um formato cada vez mais bem-sucedido3.

A Bancada Feminista surge como um agrupamento de ativistas com alguma identificação com o partido e dentre as co-candidatas, Sylvia Ferraro foi escolhida como a representante do mandato, com a proposta de mudar a forma com a qual se faz política. Conforme declarado por elas durante a campanha: “Entendemos a pré-candidatura coletiva como uma ruptura com o modelo personalista e messiânico de fazer política” (Bancada Feminista, 2020). Elas propõem uma nova forma de atuação parlamentar baseada na coletividade e no diálogo permanente entre as co-vereadoras e os diversos movimentos aos quais estão ligados, procurando através disso, ampliar a participação de grupos por meio da busca do diálogo e facilitar o acesso à política, que na visão de alguns mandatos coletivos, é muitas vezes dificultado pela burocracia e organização dos partidos (Segurado; Chaia; Chicarino, 2018).


3 A Bancada Feminista não justifica, em suas postagens o porquê da escolha do PSOL como partido para lançar a candidatura, mas elas reafirmam os posicionamentos do partido em várias ocasiões, demonstrando certa afinidade entre eles. É interessante lembrar que o PSOL lançou outros mandatos coletivos, demonstrando haver um interesse no partido em incentivar esse tipo de candidatura. Silva, Secchi e Cavalheiro (2021) em seu artigo também encontram a mesma tendência, e chegam à conclusão de que o PSOL vem buscando lançar candidaturas capazes de trazer inovações políticas.

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Este mandato coletivo reconhece que há uma crise de representação no Brasil e busca mudar a relação entre os candidatos e os eleitores, mas ressalta que não procura alterar a relação entre o representante e o partido.

Segurado, Chaia e Chicarino (2018) sugerem que a ideia de uma crise na representação política emergiu a partir das Jornadas de Junho de 2013 e dos eventos subsequentes, como o impeachment da então presidente Dilma Rousseff e a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. As Jornadas de Junho inserem-se em um contexto de manifestações globais e, no Brasil, tiveram início com protestos contra o aumento da tarifa de transporte público em São Paulo. Com o tempo, essas manifestações ampliaram o escopo de suas reivindicações, abrangendo diversas pautas. A composição dos manifestantes era heterogênea, incluindo grupos com posicionamentos variados no espectro ideológico, desde autonomistas até defensores de ideias neoliberais (Gohn, 2013).

A pauta central dessas manifestações envolvia o descontentamento com o governo e com os representantes eleitos, chegando a questionar o próprio sistema de democracia representativa. Esses eventos aprofundaram a desconfiança em relação aos políticos e às instituições, ampliando o distanciamento entre representantes e representados. Nesse cenário, o surgimento dos mandatos coletivos pode ser interpretado como uma tentativa de “reencantamento da política” (Campos; Matos, 2023), buscando restabelecer a confiança do eleitorado.

Esse contexto também trouxe à tona a questão da sub-representação de determinados grupos sociais, como mulheres, negros, indígenas e membros da comunidade LGBTQIAP+. No entanto, a atuação dos representantes desses grupos é frequentemente questionada. Por um lado, argumenta-se que a diversidade interna desses grupos dificulta a atuação de um único representante em nome de todos. Por outro lado, há dúvidas quanto à possibilidade de uma participação política ativa dentro das instituições de representação (Young, 2006).

Para refutar a ideia de que participação e representação são conceitos antagônicos, Young (2006) argumenta que a representação não implica necessariamente seguir à risca os desejos de todos os eleitores, nem operar sob um “mandato vinculado” no qual a plataforma política seria estritamente executada. Em vez disso, a representação deve promover uma relação contínua e forte entre representantes e eleitores ao longo do mandato.

Embora seja inviável representar todos os eleitores de forma integral ou garantir a participação de todos em todos os momentos deliberativos, os representantes podem assegurar uma “co-presença” dos eleitores. Para isso, é crucial que haja identificação entre representantes

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e representados. No entanto, para evitar uma lógica meramente identitária, a representação deve ser mediada por uma relação dinâmica e dialógica, em vez de se limitar à tentativa de reproduzir diretamente a presença dos eleitores no representante. O que realmente caracteriza um sistema representativo é a construção de uma relação sólida entre eleitores e candidatos, na qual os representantes devem antecipar, de maneira reflexiva, os desejos e interesses de seus eleitores. No modelo de representação liberal, o eleitor participa principalmente em dois momentos: na autorização (escolha do candidato) e na prestação de contas (durante a próxima eleição). No entanto, de acordo com Young (2006), um mandato representativo exige mais de um momento de prestação de contas. Caso contrário, no modelo atual, em que as promessas de campanha tendem a ser vagas e abrangentes, não se pode impedir que as elites utilizem os espaços representativos como uma etapa para atingir seus próprios interesses. Esses espaços precisam ser mais participativos, e os representantes devem estar mais próximos de seus eleitores: “(...) a representação é mais forte quando carrega vestígios da discussão que levou à autorização ou quando, de outra forma, se justifica persuasivamente numa prestação de contas

públicas” (Young, 2006 p.154).

Young (2006) apresenta três formas pelas quais uma pessoa pode ser representada: perspectivas, interesses e opiniões. Neste artigo, interessa-nos a primeira. O principal argumento aqui é que, ao considerar as diferentes perspectivas dos indivíduos dentro das estruturas sociais, o debate se enriquece, pois, cada pessoa contribui com uma compreensão distinta de um mesmo tema.

Incluir todas essas perspectivas no debate democrático permite revelar a complexidade do processo social. Mesmo que duas pessoas compartilhem a mesma perspectiva, seus posicionamentos podem ser diferentes; contudo, o compartilhamento de uma perspectiva propicia maior afinidade na forma como essas pessoas descrevem suas experiências. Essas perspectivas também podem se sobrepor, como no caso de ser mulher e ser negra, cujas experiências se intercalam na vivência de uma mulher negra. Assim, a representação de perspectivas não implica que todos que compartilham uma mesma perspectiva pensem da mesma forma ou tenham os mesmos objetivos políticos, mas sim que possuem algo em comum, geralmente influenciando suas ações e decisões. Quanto maior o número de perspectivas representadas no debate, maior a probabilidade de surgirem novas ideias e de diminuir a exclusão de segmentos da sociedade.

É importante notar que o político pode atuar conforme sua própria vontade e não é necessariamente obrigado a representar ou defender apenas aqueles que compartilham sua

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perspectiva. Embora seja possível que um político, mesmo sem vivenciar uma experiência específica, defenda e amplie os direitos de grupos sub-representados, é fundamental reconhecer que as estruturas desiguais da sociedade também se refletem no cenário político. Muitos desses grupos foram excluídos do debate, não porque faltassem reivindicações ou unidade, mas devido a processos de exclusão e marginalização frequentemente perpetrados pela elite que dominava o espaço de discussão.

Por essa razão, Young (2006) argumenta que os indivíduos são mais bem representados quando os organismos de representação são plurais e os relacionamentos com os representantes também refletem essa pluralidade. A exclusão política de certos grupos tende a gerar apatia em relação ao processo político. A inclusão de representantes que compartilham a mesma perspectiva que esses grupos estimula a participação e o engajamento4.

Dessa forma, pode-se afirmar que a representação especial de grupos é crucial para enriquecer o debate democrático. Tal representação pode ocorrer em qualquer momento do processo democrático e em diversos espaços, como dentro dos partidos, em comissões especiais, em orçamentos participativos e outras instâncias deliberativas.

A Bancada Feminista, ao se posicionar como uma representação de perspectivas, atua na defesa e ampliação da participação das mulheres na política, bem como na promoção e defesa dos direitos das mulheres. Compartilham a mesma perspectiva, a de serem mulheres, e algumas delas possuem perspectivas híbridas, como as de mulheres transsexuais, mulheres negras, entre outras. Além disso, essas representantes possuem interesses políticos convergentes, o que torna possível sua candidatura sob a mesma legenda, já que o consenso seria difícil de ser alcançado caso suas agendas políticas não estivessem alinhadas.


As promessas de campanha


Estudos sobre promessas de campanha, em geral, concentram-se nos programas de governo dos candidatos aos cargos do Poder Executivo (Diniz; Alves, 2024; Diniz; Oliveira, 2020; Naurin et al., 2019). A forma como esses programas são elaborados ainda não foi completamente desvendada. A visão predominante, embora sem comprovação empírica, é a de que as cúpulas dos partidos são as responsáveis pela construção desses programas. Uma exceção a esse processo, registrada na literatura (Segurado; Chaia; Chicarino, 2018), é a


4 Esse posicionamento vai de encontro com o que Silva, Secchi e Cavalheiro (2021) afirmam em seu artigo, mandatos coletivos facilitam a entrada na política de pessoas que antes não tinham incentivo ou não queriam se ligar a nenhum partido, e através da coletividade essas pessoas são encorajadas a participar e contribuir no debate. Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v. 33, n. 00, e024013, 2024. e-ISSN: 2236-0107. DOI: https://doi.org/10.14244/tp.v33i00.1108 7

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iniciativa do partido espanhol “Podemos”, que, antes mesmo do lançamento de sua campanha eleitoral, se articulou em diversas localidades para debater propostas e construir seu programa5. A mesma ausência pode ser constatada nas candidaturas para cargos no Poder Legislativo. Neste aspecto, a Bancada Feminista inovou na construção de sua plataforma de propostas. Durante o mês de agosto de 2020, as co-vereadoras da Bancada Feminista realizaram lives para debater os diversos temas que iriam nortear sua candidatura. Os temas foram definidos previamente pelas próprias integrantes do mandato, com destaque para trabalho e renda, saúde e assistência social, educação, moradia, cultura, segurança pública antirracista,

violência contra as mulheres, justiça socioambiental, mobilidade e população LGBTQIAP+.

Esta iniciativa nos permitiu mapear os temas das promessas de campanha e verificar como eles se relacionam com a ampliação de direitos de grupos sub-representados, tema caro à Bancada Feminista, no exercício do mandato de vereança.

De acordo com Manin, Przeworski e Stokes (2006), o conjunto de promessas feitas durante as campanhas eleitorais somente pode ser considerado como fonte de pesquisa se for informativo, ou seja, se a maioria das promessas contidas nele apresentam objetivos claros e um plano de ação para implementá-los6. Na mesma direção, Royed (1996) e Thomson (2001) indicam que para operacionalização das pesquisas sobre promessas de campanha se faz necessário diferenciar as sentenças que permitem de forma clara e objetiva a checagem do cumprimento da promessa, daquelas que são afirmações retóricas. No primeiro caso, a título de exemplo, a sentença que anuncia o envio de um projeto de Lei ao parlamento propondo o aumento do salário-mínimo, seria uma promessa passível de verificação. Uma sentença anunciando “lutarei pelo aumento do salário-mínimo” seria uma promessa que não permite a checagem da ação, logo seria uma “promessa retórica”. Um programa informativo significa que grande parte das propostas é verificável, mas não é indicativo de que estas propostas serão postas em ação.

Considerando o objetivo deste estudo, que consiste em identificar a frequência com que certos temas foram mobilizados pela Bancada Feminista e verificar se esses temas também foram acionados ao longo do mandato das co-vereadoras, coletamos dados de duas fontes. Para


5 Esta iniciativa ficou conhecida como os “Círculos Podemos” e contou com a participação de, aproximadamente, trezentos coletivos.

6 A noção de “programa informativo” é uma descrição dos programas de candidatos ao Executivo, dos quais se

tira o alinhamento dos partidos e serve de base para análises de saliência temática. Fazemos neste trabalho, uma adaptação desta discussão para o Legislativo.

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as promessas de campanha, obtivemos informações na página oficial do mandato no Facebook7 durante o mês de abril de 2023, abrangendo o período eleitoral, desde a primeira live realizada em 27/03/2020 até a última em 12/11/2020, alguns dias antes da eleição. Para o mapeamento da atividade parlamentar da Bancada, consultamos o site da Câmara de Vereadores de São Paulo durante o mês de maio de 2023, a fim de coletar os Projetos de Lei apresentados pela Bancada Feminista, totalizando 110 documentos, sendo o último o Projeto de Lei n.º 205/2023 (ver Apêndice)8.

Iniciamos o processo de codificação das promessas de campanha expressas nos textos postados no Facebook, distinguindo entre “promessas verificáveis” e “promessas retóricas”. Para a identificação dos tipos de promessas, utilizamos a técnica de análise de conteúdo, que, de acordo com Krippendorff (2004, p. 10), é definida como “uma técnica de pesquisa que objetiva criar inferências válidas e replicáveis de textos (ou outro conteúdo significativo) para os contextos de seu uso”.

A análise de conteúdo requer que os dados estejam disponíveis para uma possível replicação da pesquisa, por isso nos apêndices deste artigo estão os links para acesso à base completa.

Outro requisito para este tipo de análise é realizar teste de confiabilidade da codificação. Neste caso realizamos o teste de “estabilidade” (Sampaio; Lycarião, 2018), indicado para quando a codificação é realizada por uma única pessoa. O objetivo deste tipo de teste é averiguar a estabilidade com que o codificador tomou as decisões relativas à indicação dos temas. Utilizamos a amostra mínima, cinquenta decisões, para os testes desta fase. O coeficiente obtido foi 0,94 no índice Alpha de Krippendorff, considerado adequado para este tipo de teste.

Grande parte das promessas verificáveis foi originada das “plenárias” realizadas no mês de agosto, cujos registros também estão disponíveis no site oficial do mandato. Em contrapartida, a maioria das frases classificadas como retóricas corresponde a manifestos assinados em conjunto ou reflexões acerca da situação da cidade e da política. Esse tipo de texto, embora comum nas redes sociais das quais foram extraídos, não permite verificação, pois não apresenta objetivos ou planos específicos a serem implementados após a eleição.

Em conformidade com os objetivos deste estudo, tornou-se necessário identificar quais temas permaneceram relevantes entre as promessas de campanha e as atividades legislativas da



7 A Bancada Feminista também alimentava sua página do Instagram com as mesmas imagens, mas as postagens no Facebook eram mais completas e apresentavam textos mais longos. Houve a predileção por esta rede social pois na época das eleições era a mais utilizada pela Bancada Feminista.

8 Como o mandato se estende até o final de 2024 não foi possível ter uma análise do mandato completo.

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Bancada Feminista. Para a codificação e distribuição temática das promessas verificáveis e dos Projetos de Lei apresentados, utilizamos o livro de códigos do MARPOR9.

Algumas categorias do The Manifesto Project precisaram ser adaptadas para atender às especificidades analisadas. As seguintes decisões foram tomadas: Promessas relacionadas ao combate à violência contra a mulher foram alocadas na categoria per503, que engloba propostas de combate à discriminação e violência; Políticas de gestão de resíduos foram incluídas na categoria per501, que abrange a proteção ambiental; e Políticas voltadas para a ampliação dos direitos da população trans foram categorizadas em per705, que contempla a expansão dos direitos de homossexuais e outros grupos minoritários.

Para garantir a consistência da análise, foi aplicado o mesmo teste de confiabilidade utilizado anteriormente, respeitando a amostra mínima exigida. Os resultados obtidos foram satisfatórios: índice Alpha de Krippendorf de 0,935 para a codificação dos temas das promessas verificáveis e de 0,955 para a codificação dos Projetos de lei. Esses valores indicam níveis adequados de confiabilidade para a condução da pesquisa.


Análise descritiva dos dados


A análise das promessas foi feita tendo em mente a saliência de certos temas, que nas palavras de Humpreys e Garry (2000, p. 2) é “a importância relativa de diferentes áreas de políticas públicas”. Quanto maior a ocorrência de determinadas palavras, maior a saliência.

Iniciamos com a indicação dos temas prevalecentes nas sentenças extraídas das lives, consideradas como promessas de campanha. Essas promessas trazem mais do que ideias gerais de posicionamento, mas sim objetivos construídos através do diálogo e sem os quais seria difícil justificar a existência do mandato coletivo. Ao verificar se houve mudanças significativas nos temas abordados, podemos inferir se o modelo de mandato coletivo da Bancada Feminista realmente consegue, através do diálogo, unir os interesses e expectativas de seu eleitorado, com seus próprios interesses dentro da prática política.

A partir das páginas do Facebook do mandato foram obtidas 442 promessas, das quais 68 foram classificadas como retóricas e 374 como verificáveis, sendo que apenas essas últimas


9 Marpor ou The Manifesto Research on Political Representation é uma iniciativa criada pelo Manifesto Research Group (MRG). O objetivo é oferecer categorias para estudos comparativos de Programas Políticos. Para uma tradução resumida das categorias mencionadas ver o Anexo.

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foram classificadas por área temática e os dados obtidos cruzados com aqueles referentes à análise dos Projetos de lei, que serão abordados adiante.


Gráfico 1 - Porcentagem das promessas Verificáveis e Retóricas


Fonte: Elaborado pelas autoras.


Aproximadamente 85% das promessas obtidas foram classificadas como verificáveis, mas entre elas, cerca de 4% não são verificáveis dentro do escopo desta pesquisa, pois incluem outros tipos de atividade parlamentar como votações e prestação de contas.

A partir deste resultado podemos afirmar que o conjunto de promessas é informativo e por isso pode ser usado para nosso objetivo de pesquisa. As promessas são objetivas e focam em problemas específicos, mas não oferecem detalhes técnicos de como elas serão postas em ação ou de onde a verba para esses Projetos sairá. Muitas vezes as promessas assumem um tom de posicionamento, como a promessa de se lutar contra a privatização da Sabesp, cujo tom e formulação nos dizem mais sobre o posicionamento da Bancada Feminista do que um plano concreto para impedir essa privatização.

O mesmo acontece na série de promessas contra a privatização de creches públicas, onde o ponto a ser observado é a crítica à política de privatização e o posicionamento contrário do partido. Em muitos momentos a promessa feita é de que a Bancada Feminista servirá de oposição nesse tema específico. Na outra ponta, ela também oferece apoio genérico a alguns temas, como melhoria da infraestrutura do transporte público. A partir disso, vemos que elas


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evitam temas que fogem muito de seus interesses, incluindo-os de forma genérica e pouco específica.

Algo que contrariou as expectativas é o número baixo de promessas voltadas aos trabalhadores, elas existem, mas são pouco específicas e em menor número. Considerando que uma das co-candidatas se declarou como defensora dos direitos dos trabalhadores por aplicativo, era esperado um enfoque maior nessa área.

Uma das promessas que mais chama a atenção é a promessa por maior representação, justamente a discussão deste trabalho, nas palavras delas: “Por que votar em uma candidatura coletiva? Um mandato na Câmara de Vereadores, cinco co-vereradoras compartilhando as tarefas e dialogando com os movimentos sociais. A ideia é aumentar a representatividade e democratizar o acesso ao poder institucional” (Bancada Feminista, 2020).

Dentre as promessas verificáveis, observa-se que a maior parte delas se concentra nos meses que antecedem às eleições, enquanto as retóricas estão mais presentes no início da campanha. Mas como veremos a seguir, os temas de ambas não são diferentes, as promessas retóricas parecem ter introduzido certos temas para que eles fossem abordados de forma mais objetiva posteriormente.

As promessas classificadas como retóricas foram processadas através do programa Iramuteq10 e formam uma nuvem de palavras, na qual os termos “mulher” e “educação” são centrais, indicando que nas postagens retóricas, muito foi dito sobre esses temas. Por ser um mandato que se diz feminista, é natural que o tema central das promessas gire em torno das mulheres. Quanto ao tema “educação”, o interesse no assunto parte do fato que uma das integrantes, Sylvia Ferraro, é engajada em lutas pela educação e pela classe profissional dos professores.


10 Iramuteq é uma interface do R que realiza análises multidimensionais de textos e questionários desenvolvido pelo Lboratoire d’Études et Recherches Appliquées em Sciences Sociales da Universidade de Toulouse.

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Imagem 1 - Nuvem de Palavras: Promessas Retóricas


Fonte: Elaborada pelas autoras.


A seguir, apresentamos a análise da atuação das co-vereadoras ao longo do mandato, especificamente no que concerne à apresentação de Projetos de lei. Nosso objetivo foi verificar se os temas abordados durante a campanha eleitoral permaneceram presentes no exercício da vereança.

Optamos por analisar os Projetos de Lei apresentados, e não apenas aqueles efetivamente aprovados. Essa decisão decorre das limitações institucionais frequentemente encontradas nas casas legislativas brasileiras, que dificultam a aprovação de Projetos de origem parlamentar. Por exemplo, no contexto da Câmara dos Deputados, Figueiredo e Limongi (2001) apontam que o processo legislativo federal é descentralizado, conferindo liberdade aos parlamentares para apresentar proposições, embora a probabilidade de aprovação seja bastante reduzida. Considerando que essa dinâmica pode ocorrer, em maior ou menor grau, no âmbito do legislativo municipal, a análise deve contemplar tais dificuldades. Dessa forma, a apresentação de Projetos de Lei assume maior relevância como um indicativo das intenções e objetivos do mandato, independentemente da aprovação.

Ademais, é importante destacar que a verificação do cumprimento de promessas de campanha não necessariamente constitui um indicador definitivo de que o mandato está alinhado com os interesses dos eleitores. Eventuais desvios podem ocorrer, sobretudo porque as propostas de campanha frequentemente refletem demandas de movimentos sociais por ampliação de direitos. Tais propostas não apenas expressam os objetivos políticos individuais de cada co-vereadora, mas também articulam as suas funções enquanto representantes de movimentos sociais e, simultaneamente, representantes eleitas.

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A análise vai “enfatizar aquilo (que as parlamentares) fazem quando têm liberdade para tanto” (Batista, 2020, p. 5). Através da comparação entre as promessas de campanha e a apresentação de proposições legislativas, procuramos mapear quais temas foram priorizados durante a eleição e quais passaram a ser mais relevantes após a mesma.

Dentre os Projetos de Lei apresentados, alguns dizem respeito a solenidades, criação de datas comemorativas e nomeação de ruas. Em um primeiro momento, elas não parecem pertinentes a esta pesquisa, porém existe um padrão mesmo nessas promessas. Elas se concentram em prestar homenagem a pessoas pretas ilustres, relembrar vítimas de crimes de ódio e homenagear mulheres. A criação de datas célebres para relembrar a chacina em Paraisópolis (PL 442/2021) e o dia da morte do menino Miguel (PL 388/2022), por exemplo, ilustra como a Bancada Feminista se posiciona em relação ao racismo. Por esta razão, alguns desses Projetos de lei foram classificados como combate ao racismo (per503).

Outros Projetos da Bancada Feminista acabaram ganhando mais notoriedade, como o projeto de combate ao assédio sexual em bares e restaurantes na cidade de São Paulo (PL 330/2019). Esse projeto foi aprovado e, com isso, garantiu a notoriedade da Bancada e de suas integrantes em relação à violência contra a mulher. O gráfico a seguir apresenta a distribuição dos Projetos de Lei por temas.


Gráfico 2 - Distribuição temática das promessas e dos Projetos de lei


Fonte: Elaborado pelas autoras.


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Dentre as promessas, a maioria foi classificada como per504, numa tradução livre, esse código se refere a políticas de bem-estar social e abrange tópicos como a expansão dos serviços de assistência social e de saúde. O segundo código mais frequente é per503, relativo a questões de equidade. Neste código foram inclusas todas as promessas que mencionam o combate à violência racial e de gênero, tópico recorrente no programa.

A Bancada Feminista tem como ponto central de suas promessas o atendimento a mulheres em situação de vulnerabilidade. O mesmo ocorre em sua atuação, a repetição dos códigos relacionados ao combate à violência e aumento da assistência social é, na verdade, a construção de diversos dispositivos que auxiliem essas mulheres em inúmeros momentos. Elas mobilizam vários aparatos públicos para oferecer suporte e combater a violência de gênero, desde o momento da denúncia até a retomada de independência dessa mulher. Durante a atuação parlamentar, este tema definidamente foi central.

Sobre os Projetos de lei, dos que puderam ser usados nesta análise, 23 foram classificados como per503, e 22 deles como per504. É interessante notar que tanto nas promessas quanto nos Projetos esses códigos são os mais frequentes, demonstrando assim, coerência entre o que foi prometido e os Projetos de Lei apresentados. Ou seja, os temas desenvolvidos durante a campanha continuaram sendo priorizados após a eleição.

Por outro lado, dentre os códigos menos utilizados está “per305_5”, uma categoria que abrange políticas de transição contra as antigas elites. Embora apareça somente uma vez tanto nas promessas quanto nos Projetos, é uma das promessas que foram cumpridas de forma integral. Essa promessa diz respeito à retirada de estátuas e homenagens feitas a ditadores e escravocratas. A sentença a seguir explicita este tema: “Plano de Justiça de Transição: políticas de memória e verdade que visem à extinção de monumentos e obras públicas em homenagem à ditadores e escravocratas, substituição de nomes de ruas, monumentos e obras públicas para memória de figuras negras na história brasileira e mundial” (12/10/2020). O Projeto de Lei que se relaciona a essa promessa é o Projeto de Lei n.º 01-00047/2021.

Muitas promessas relacionadas à pandemia da Covid-19 não foram executadas, pois quando o mandato finalmente assumiu, as normas para lidar com a epidemia já haviam mudado. Isso vai de encontro às observações de Downs (2013) sobre o desvio do mandato devido a mudanças no contexto.

As promessas relacionadas à segurança pública, que não envolviam especificamente o combate à violência de gênero, não apresentaram correspondência entre os Projetos de Lei

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analisados. Esse fato reforça a tendência das co-vereadoras de evitarem temas que não sejam prioritários para o seu eleitorado ou que não dialoguem diretamente com suas pautas durante a atuação parlamentar. A segurança pública somente foi abordada quando interligada a outro tema, como o combate à violência contra a mulher.

Das 374 promessas verificáveis, 81 foram integralmente cumpridas e 86 foram parcialmente atendidas, restando 189 que não foram realizadas. Isso resulta em aproximadamente 45% de promessas cumpridas, enquanto 51% permaneceram não cumpridas. Outras 4% não puderam ser verificadas neste trabalho, por demandarem métodos alternativos de avaliação da atividade parlamentar.


Gráfico 3 - Promessas de campanha distribuídas pela forma que foram cumpridas


Fonte: Elaborado pelas autoras.

P = parcial; I = integralmente; N= não; NS = não se aplica.


Dentre as que foram cumpridas de alguma forma - parcial ou integralmente - mais da metade diz respeito ao estado de bem-estar social e qualidade de vida, que incluem “Proteção ao Meio- Ambiente”, “Equidade”, “Expansão do Estado de Bem-estar Social” e “Expansão da Educação”.

É interessante notar que em um dos vídeos de apresentação do mandato, onde as co- candidatas nos contam suas principais propostas, esses tópicos são mencionados por elas como os objetivos de sua candidatura.


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“(...) Sou feminista, advogada e ativista do movimento negro. Nós pretas e pretos, somos as principais vítimas da violência do Estado e da polícia. Vamos lutar por políticas públicas que garantam o enfrentamento ao racismo estrutural e o direito ao futuro da juventude negra, queremos respirar (Paula Nunes, 2020)


Sou feminista negra, travesti, e intersexo e trabalhadora da saúde pública municipal, Nossa luta é por visibilidade, por mais direitos, e pela vida da comunidade LGBTQI+. Travesti não é bagunça, é resistência (Carolina Iara, 2020)

Eu sou feminista, vegana, e militante pelo ecossocialismo. Eu vou lutar para que a população não seja empurrada para as áreas de mananciais, e não sofra com as doenças causadas pela poluição e pela falta de saneamento básico. (Natália Chaves, 2020)


(...) Nossa batalha é por trabalho digno, direitos plenos e salários justos para todos (Dafne Sena, 2020).”


As propostas apresentadas pelo mandato nos mostram uma consistência em relação ao que foi prometido durante todo o período eleitoral. A maioria das promessas não foi cumprida, mas os Projetos que foram criados se mantiveram no padrão de temas que as promessas. A média ponderada de promessas cumpridas, por tema, é de 45%. O que é surpreendentemente alto, pois não se espera que um candidato, ou neste caso um grupo de co-candidatos, siga tantas de suas promessas durante o exercício no mandato.

Um questionamento surge após essa análise: se elas se enquadram no caso de representação especial de grupos sub-representados descritos por Young (2006), onde o debate de diferentes perspectivas é o que aumenta a representação, quais as vantagens de se manter tão fiéis a um programa? O debate que foi feito no momento da formulação dessas promessas é válido como representação, mas será que se estende em outros momentos do processo? E se ele se estende, não causa divergências?

Temos de considerar também que os mandatos coletivos operam se adaptando a um sistema que não foi feito para ser coletivo. O sistema representativo está voltado para que um único indivíduo participe dos debates, apresentando pautas caras a si, sua base ou partido. O mandato coletivo precisa alcançar um consenso em seu debate para que um de seus correpresentastes apresente os resultados deste debate. Este é mais um desafio para esta forma de inovação política.


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Considerações finais


Esta pesquisa teve como objetivo avaliar se o formato de mandato coletivo, especialmente a forma de organização das propostas nesse contexto, exerce impacto na atuação parlamentar. Para isso, foi realizada uma comparação entre a saliência temática das promessas de campanha e dos projetos de lei apresentados.

As promessas de campanha da Bancada Feminista demonstraram ser orientadoras de sua atividade parlamentar, conforme evidenciado pela distribuição temática das proposições e das propostas. Inicialmente, esse padrão sugere que o mandato coletivo em questão segue um modelo de representação por mandato “vinculado”, em que o cumprimento de promessas é percebido como um compromisso prioritário.

Tanto as promessas quanto os Projetos de Lei concentraram-se em temas como a ampliação da equidade, o combate ao preconceito de gênero e raça, a proteção de grupos em situação de vulnerabilidade, a expansão de programas de assistência, o fortalecimento da saúde pública e a ampliação de políticas habitacionais. Em comparação com a nuvem de palavras formada a partir das promessas retóricas (Imagem 1), observa-se que a pauta “mulher” está inclusa nas políticas de equidade, enquanto “educação” se destaca com 16 Projetos de Lei apresentados, mesmo não sendo o tema mais recorrente.

Ademais, mesmo as promessas não verificáveis mantiveram uma relação temática direta com as iniciativas legislativas apresentadas após a eleição. A Bancada Feminista, em sua atuação parlamentar, focou em temas alinhados àqueles abordados durante a campanha, e uma parcela expressiva de suas promessas foi considerada em sua atividade legislativa. Esses resultados indicam que o cumprimento de promessas desempenha um papel relevante na relação da Bancada com o eleitorado.

Quando os momentos de autorização e de prestação de contas se mantêm, na medida do possível, a mesma centralidade de temas, o eleitor tem certa confiança de que os temas trazidos pelo mandato e discutidos durante a campanha realmente foram levados à diante. O ponto relevante no mandato coletivo não é propriamente a noção de “mandato vinculado”; o cumprimento das promessas decorre da convergência de interesses entre a Bancada Feminista e sua base eleitoral.

Qualquer candidato poderia representar os grupos sub-representados contemplados pelas políticas da Bancada Feminista. O diferencial deste formato está em permitir que vários indivíduos, com perspectivas distintas, mas interesses semelhantes, debatam os temas a serem


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apresentados. Não cabe aqui discutir se esse formato evita ou não desvios das promessas, pois entende-se que o desvio não é necessariamente negativo, desde que justificável pelas circunstâncias. No entanto, ao ampliar o número de participantes no debate político, evita-se que a atividade legislativa reproduza desigualdades estruturais.

Quando observamos que as propostas sempre giravam em torno de temas como a pauta das mulheres, o combate ao racismo e outras formas de preconceito, além da ampliação de benefícios para a população, especialmente para grupos vulneráveis, tal resultado não é mera coincidência ou fruto de um “mandato vinculado” por si só. Trata-se, na verdade, do produto de debates que mantêm interesses comuns como eixo central do mandato.

O formato do mandato coletivo tem funcionado em diversos partidos como uma estratégia para angariar votos de eleitores que buscam alternativas na política, o que se tornou evidente com a eleição de mandatos coletivos em diferentes esferas legislativas nos últimos anos.

Em resumo, pode-se afirmar que a Bancada Feminista não apenas opera como uma alternativa para angariar votos, mas também cumpre bem sua proposta de representar grupos sub-representados e sua base eleitoral no legislativo. Ao manter uma relação próxima com seus eleitores por meio de debates constantes, a Bancada ainda conta com o triunfo, para as próximas eleições, de várias promessas em tramitação na Câmara de Vereadores.

Não se pode inferir que todos os mandatos coletivos se comportem da mesma forma ou que mantenham essas relações de proximidade após eleitos, tampouco que sejam necessariamente a melhor alternativa. A experiência ainda é recente, e cada mandato possui organização interna e objetivos próprios. Contudo, acompanhar a atuação dessas novas experiências permite observar quais temas são prioritários para esses novos atores políticos e se tais temas encontram eco entre seus eleitores.


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APÊNDICE


Para a realização desta pesquisa, foi necessário construir um banco de dados com todas as postagens relacionadas às promessas de campanha da Bancada Feminista, feitas entre 27/03 e 12/13 de 2020. O primeiro link fornece acesso ao documento contendo os endereços eletrônicos das postagens, sites, manifestos e páginas pessoais das candidatas no Facebook. Disponível em:

https://docs.google.com/document/d/1nxAXy4M6y3Hu1mf86xU6_jS64n1bmioeOGAXog6q 2Bs/edit?usp=sharing. Acesso em: 26 ago. 2023.

O segundo e terceiro links são do banco de dados construído a partir dos resultados coletados. Banco de dados referente a promessas verificáveis e Leis. Disponível em: https://docs.google.com/spreadsheets/d/10OKWRTRisazph4xj9NNoXVgNM6j_kF32- lnPfpVB1UE/edit?usp=sharing Acesso em: 11 nov. 2023.

Banco de dados comparativo entre promessas verificáveis, retóricas e Leis. Disponível em: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1hxJVKg2bmKDHe-TDhikk- 6pC16xZ7yPqiA7S3ILzHzM/edit?usp=sharing Acesso em: 11 nov. 2023.


ANEXO 2


Lista de códigos utilizados na pesquisa e tradução:

per 201: Direitos Humanos e Liberdade per202: Democracia

per301: Descentralização

per303: Eficiência governamental e administrativa

per 305_5: Justiça de transição: contra elites da era pré democrática per4121: A favor da propriedade pública

per 413: A favor da estatização per 501: Proteção ambiental per 502: Cultura

per503: A favor da equidade

per504: Expansão do estado de bem-estar social per506: A favor da educação

per604: Contra a moralidade tradicional

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per605: A favor da lei e da ordem (segurança pública) per6061: Identificação de crise geral

per701: A favor dos trabalhadores

per703: A favor da agricultura e dos trabalhadores rurais per705: Grupos vulneráveis

per706: Minorias


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