Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v. 33, n. 00, e024003, 2024. e-ISSN: 2236-0107
DOI: https://doi.org/10.14244/tp.v33i00.1033 1
MINISTÉRIOS E BUROCRACIA NO PROCESSO DE PRODUÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS: O CASO DAS AGENDAS DO SETOR DE ENERGIA
MINISTERIOS Y BUROCRACIA EN EL PROCESO DE ELABORACIÓN DE
POLÍTICAS PÚBLICAS: EL CASO DE LAS AGENDAS DEL SECTOR ENERGÉTICO
MINISTRIES AND BUREAUCRACY IN THE PROCESS OF PRODUCING PUBLIC
POLICIES: THE CASE OF ENERGY SECTOR AGENDAS
Cristiano Parra DUARTE
1
e-mail: crparraduarte@gmail.com
Como referenciar este artigo:
DUARTE, C. P. Ministérios e burocracia no processo de produção
de políticas públicas: O caso das agendas do setor de energia.
Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v.
33, n. 00, e024003, 2024. e-ISSN: 2236-0107. DOI:
https://doi.org/10.14244/tp.v33i00.1033
| Submetido em: 26/04/2023
| Revisões requeridas em: 12/10/2023
| Aprovado em: 20/02/2024
| Publicado em: 17/04/2024
Editora:
Profa. Dra. Simone Diniz
Editor Adjunto Executivo:
Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz
1
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos SP – Brasil. Doutorando em Ciência Política com
bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Mestre em Ciência Política pela Universidade
Federal de São Carlos. Editor-chefe da revista Agenda Política.
Ministérios e burocracia no processo de produção de políticas públicas: O caso das agendas do setor de energia
Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, São Carlos, v. 33, n. 00, e024003, 2024. e-ISSN: 2236-0107
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RESUMO: Os ministérios são variáveis-chave no processo de produção de políticas por conta
do contexto do presidencialismo de coalizão e da dinâmica do processo de priorização na
agenda das políticas públicas, dos quais a burocracia tem papel de destaque. Nesse sentido, este
trabalho objetiva responder: a burocracia tem agendas próprias que diferem das agendas
presidencial e do Legislativo? Para isso, desarrolha-se um estudo de caso qualitativo sobre o
setor de energia entre 1995 e 2014 a fim de entender qual o papel das esferas mais técnicas do
governo no policy-making process. Em termos de resultados, são identificadas prioridades
distintas e divergências importantes entre as agendas da presidência, do Legislativo e da
administração setorial. Esses achados sugerem a existência de uma agenda da administração
setorial que parece operar com certa autonomia da presidência e ainda mais do Congresso
Nacional, processo que pode estar relacionado com as prioridades da própria burocracia
setorial.
PALAVRAS-CHAVE: Burocracia. Políticas públicas. Ministérios. Setor de energia. Agenda
de políticas públicas.
RESUMEN: Los ministerios son variables clave en el proceso de producción de políticas
debido al contexto de presidencialismo de coalición y a la dinámica del proceso de priorización
en la agenda de políticas públicas, en la cual la burocracia juega un papel preponderante. En
este sentido, este trabajo pretende responder a la pregunta: ¿tiene la burocracia agendas
propias que difieran de las agendas presidencial y legislativa? Para ello, se llevó a cabo un
estudio de caso cualitativo sobre el sector energético entre 1995 y 2014 con el fin de
comprender el papel de las esferas más técnicas del gobierno en el proceso de formulación de
políticas. En cuanto a los resultados, se identificaron distintas prioridades y divergencias
significativas entre las agendas de la presidencia, el poder legislativo y la administración del
sector. Estos hallazgos sugieren la existencia de una agenda de la administración sectorial que
parece operar con cierto grado de autonomía de la presidencia y aún más del Congreso
Nacional, proceso que puede estar relacionado con las prioridades de la propia burocracia
sectorial.
PALABRAS CLAVE: Burocracia. Políticas públicas. Ministerios. Sector energético. Agenda
política pública.
ABSTRACT: The ministries are key variables in the policy production process due to the
context of coalition presidentialism and the dynamics of the prioritization process in the public
policy agenda, in which the bureaucracy plays a prominent role. In this sense, this paper aims
to answer the question: does the bureaucracy have its own agendas that differ from the
presidential and legislative agendas? To this end, a qualitative case study was carried out on
the energy sector between 1995 and 2014 in order to understand the role of the more technical
spheres of government in the policy-making process. In terms of results, distinct priorities and
important divergences between the agendas of the presidency, the legislature and the sector
administration were identified. These findings suggest the existence of a sectoral administration
agenda that seems to operate with a certain degree of autonomy from the presidency and even
more from the National Congress, a process that may be related to the priorities of the sectoral
bureaucracy itself.
KEYWORDS: Bureaucracy. Public policy. Ministries. Energy sector. Public policy agenda.
Cristiano Parra DUARTE
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Introdução
Os ministérios são variáveis-chave para o processo de produção de políticas (policy-
making process) e para o processo das políticas (policy process) (Palotti; Cavalcanti; 2018;
Ribeiro; Paiatti, 2022). Tal importância diz respeito ao papel da burocracia estatal no processo
democrático, sobretudo com relação às discussões em torno de legitimidade de atores que
podem agir apesar dos dirigentes eleitos (Peters, 2018). Essa é uma temática presente desde a
obra weberiana, mas que ainda é debatida com frequência pela ciência política e pela
administração pública (Peters, 2018; Palotti; Cavalcante, 2018; Ribeiro; Paiotti, 2022; Borges;
Coelho, 2015; Lima, 2020; D’áraujo; Petek, 2018; D’áraujo, 2009; Lopez; Bugarin; Bugarin,
2013; Lopez; Silva, 2019; D’áraujo; Lameirão, 2009; Workman, 2015).
Somado a essas questões, o contexto de presidencialismo de coalizão brasileiro
demanda a análise sobre o processo de centralização, delegação e divisão de poderes no
Executivo federal (Inácio; Rezende, 2015). Isso porque na medida que presidentes precisam
conceder ministérios a partidos da coalizão, ministros podem agir em direções diferentes da
agenda política presidencial dado que esses não são meros funcionários do presidente, mas
atores complexos com orientações ideológicas e interesses próprios (Batista, 2013; 2016).
Ministérios controlam tanto a burocracia (ministros e estruturas organizacionais) quanto as
informações por ela produzida, aspectos que são essenciais ao processo de produção de políticas
públicas e que podem condicionar se a formulação de política ocorre de forma centralizada na
presidência ou descentralizada com delegação a ministérios setoriais (Batista, 2013).
Para além do controle da máquina administrativa setorial, os próprios burocratas são
atores auto interessados com pautas próprias (Abers, 2021; Workman, 2015). Nesse sentido,
eles podem ocupar seus cargos atuando como ativistas de causas específicas ou cargos na
burocracia podem ser ocupados por ativistas (Abers, 2015), influenciar na formulação e na
implementação de políticas (Loureiro; Abrucio; Rosa, 1998; Olivieri, 2007), como também na
montagem de agendas, seja pela proposição de alternativas, como também pela definição de
problemas que vão moldar a discussão em torno de soluções (Workman, 2015).
Considerando esse cenário, o presente estudo analisa o setor de energia com o objetivo
de mapear a produção de legislações e normativas a fim de identificar agendas distintas entre
dirigentes eleitos e a máquina administrativa. Dessa forma, este artigo se insere nas discussões
em torno do debate sobre insulamento e responsividade na governança democrática, no debate
entre política e burocracia. Este trabalho então busca responder: a burocracia tem agendas
próprias que diferem das agendas presidencial e do Legislativo (dirigentes eleitos)? O caso
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analisado é relevante por ser tratado pela literatura como marcante em problemas em processos
decisórios (Gomide; Pereira, 2018), ter relações fortes com políticos e partidos (Batista; Lopez,
2021), mas por não explorar a atuação da burocracia na definição de agendas próprias (Duarte;
Lino, 2022). Ainda, o setor de energia é uma área setorial ainda pouco analisada pelos
pesquisadores do campo de políticas públicas, fator que acentua a existência de muitas lacunas
no entendimento dos processos decisório e de produção de políticas nesse domínio setorial
(Duarte, 2021).
Para tanto, este trabalho analisa os anos de 1995 e 2014, período que congrega cinco
gestões federais (dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso do PSDB; dois mandatos de
Luís Inácio Lula da Silva do PT; e o primeiro mandato de Dilma Rousseff do PT). Tal recorte é
relevante considerando que são gestões completas (sem a existência de impeachment no
período) e por possibilitar a comparação da produção de política no setor entre governos com
bases ideológicas distintas (Duarte, 2021). Em termos de metodologia, essa análise de caso
qualitativa é realizada por meio de análise de conteúdo e descrição de conteúdos substantivos
de legislações e normativas produzidas pela presidência, pelo Congresso e pela administração
setorial, composta pelo Ministério de Minas e Energia (MME), pelo Conselho Nacional de
Política Energética (CNPE), pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), pela Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e pela Empresa de Pesquisa
Energética (EPE). Essas organizações são as principais responsáveis pela formulação das
políticas de energia no Brasil, sobretudo por seu poder de proposição e criação de legislações e
normativas que estruturam a área setorial (Duarte, 2021).
O argumento central do trabalho reside em apontar indícios sobre a existência de uma
agenda da administração setorial voltada para as energias renováveis
2
. Tal agenda parece ser
descolada da agenda legislativa do presidente e, ainda mais, do Congresso Nacional. Além
disso, o argumenta-se que essa agenda é produto da atuação da burocracia setorial que consegue
sustentar pautas ligadas a energias limpas apesar da alta rotatividade de ministros. Após essa
introdução, debate-se o presidencialismo de coalizão, qual seu impacto para a gestão de
ministérios e de políticas públicas. Apresenta-se ainda o papel da burocracia no policy-making
process e no processo das políticas, voltado tanto para o controle, a produção e a divulgação de
informações, como para a produção de agendas próprias. Em seguida, apresenta-se o desenho
2
Energias renováveis podem ser entendidas como as fontes de baixo impacto socioambiental, tais como as
pequenas hidrelétricas, as energias lica e solar, as biomassas e biocombustíveis, dentre outras (Natt; Carrieri,
2017; Golderberg; Lucon, 2007).
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metodológico da pesquisa e as distintas análises empreendidas. Depois, o artigo apesenta os
dados e debate os achados à luz da literatura mobilizada. Ao final, ficam as conclusões com
uma agenda de pesquisa futura com perguntas ainda em aberto sobre o caso analisado.
Ministérios e burocracia: da formação da coalizão à agenda
O processo político em democracias é impactado, dentre outras coisas, pelo sistema de
governo e pela distribuição de poder (Anastasia; Inácio, 2010). É a partir dessas condições que
os atores, em arenas distintas, tentam emplacar suas ideias em meio aos arranjos institucionais
e organizacionais do Estado para produzir políticas públicas (Howlett; Ramesh; Perl, 2013).
Dessa forma, ser um país presidencialista, semipresidencialista ou parlamentarista implica em
direcionar os olhares sobre o grau de necessidade de confiança entre Executivo e Legislativo e
sobre a sustentação a longo prazo do governo (Carey, 2005). Tais critérios imprimem
características específicas para pensar as relações entre os poderes na produção de políticas
públicas, sobretudo com relação à cooperação no processo decisório para implementar uma
agenda política (Figueiredo, 2004).
No caso brasileiro, caracterizado como um presidencialismo multipartidário
fragmentado, a governabilidade é conseguida por meio da formação de coalizões (Abranches,
1988). Tal sistema tem se mostrado operante em virtude dos poderes legislativos do chefe do
Executivo atribuídos pela Constituição de 1988 e pela capacidade dos líderes partidários em
sustentar uma disciplina partidária no Congresso Nacional (Limongi; Figueiredo, 1998). Tal
arranjo institucional tem tornado possível a primazia da aprovação de leis oriundas do poder
Executivo brasileiro para que o governo consiga aprovar sua agenda e produzir políticas
públicas, imprimindo, dessa forma, uma preponderância das prioridades do governo frente aos
parlamentares (Amorim Neto, 2007; Figueiredo; Limongi, 2007).
No contexto do presidencialismo de coalizão brasileiro, o processo de divisão de
ministérios na formação do governo é um dos principais tópicos de estudo pela ciência política
(Freitas, 2013; Inácio; Rezende, 2015). Tal processo consiste na negociação, a partir de um
acordo interpartidário, para dividir o poder entre pelo menos dois partidos através das pastas
ministeriais (Freitas, 2013; Amorim Neto, 2006). A formação do gabinete garante, de um lado,
o apoio legislativo à presidência e, por outro lado, a influência de partidos no governo. A
distribuição de ministérios, portanto, constitui-se como um acordo de mão-dupla, com
benefícios para ambos os lados (Batista, 2013).
Ministérios e burocracia no processo de produção de políticas públicas: O caso das agendas do setor de energia
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A distribuição dos ministérios no presidencialismo brasileiro tem sido analisada
sobretudo pela teoria do agente-principal (Batista, 2013; Guerra, 2020). Nela, o presidente
representa o principal que delega poder de decisão aos ministérios, denominados de agentes.
Tal processo de delegação suscita uma série de problemas, principalmente relacionada à perda
do controle do principal sobre o agente. Isso pode acontecer em virtude de o poder delegado
ser mobilizado para interesses que diferem dos anseios do principal. Em outras palavras, no
processo de distribuição de ministérios entre os partidos da coalizão, a máquina administrativa
ministerial pode operar sob uma lógica distinta da agenda presidencial.
O distanciamento ideológico entre principal e agente tem sido o principal motivo
atribuído pelos pesquisadores para explicar a perda de controle sobre o delegado (Amorim
Neto; 2006; Inácio; Rezende, 2015; Batista, 2016). Isso porque o ministro que assume a pasta
não pode ser considerado como um funcionário do presidente, mas sim um ator político
complexo, tendo em vista que ele possui interesses próprios e atua visando os interesses do
partido que está representando (Batista, 2013). Dentre os principais poderes adquiridos no
processo de delegação, o ministro controla o orçamento de áreas e políticas setoriais,
direcionamentos estratégicos aos programas ministeriais que são sensíveis a bases eleitorais e
possui grandes possibilidades de produzir legislações no processo de produção de políticas
públicas. Dessa forma, enquanto representante do partido em um ministério, o político segue
uma lógica ideológica, tem preferências políticas, projetos eleitorais e, inclusive, uma agenda
política própria (Batista, 2013).
Outro poder fundamental exercido pelo ministro diz respeito ao controle da burocracia
e das informações sobre políticas setoriais por ela produzidas. Essa é uma dimensão ainda
pouco explorada pela literatura brasileira e que tem grande importância para quando se analisa
o processo de produção de políticas públicas (Palotti; Cavalcante, 2018; Ribeiro; Paiotti, 2022).
O controle da burocracia e da informação produzida pelo ministério arraigada à proximidade
da presidência ao ministério são aspectos fundamentais para definir se a formulação de políticas
se dará de forma centralizada ou descentralizada (Batista, 2013). Isso porque a produção de
políticas demanda informações que subsidiem a tomada de decisão. Na medida que o presidente
está ideologicamente próximo do ministro setorial, as informações serão advindas dos
burocratas. Por outro lado, se existe um distanciamento com o ministério, a presidência
encontrará barreiras para acessar tais informações, passando a buscar fontes distintas de
informações e formulando políticas em um núcleo próximo de decisão, como a Casa Civil, no
caso brasileiro, por exemplo. Dessa forma, o processo de produção de políticas ocorre de
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maneira descentralizada quando as agendas da presidência e do ministério são convergentes ou
centralizada quando o acesso à burocracia é dificultado e as agendas são divergentes.
Para além da ideologia, a literatura ainda aponta para outros fatores que levam a maior
ou menor centralização e descentralização. Pode-se destacar também a área setorial (policy
domain), a cadeia hierárquica entre os ministros, os secretários e a estrutura administrativa, o
número de atores envolvidos na disputa por uma questão, o grau de institucionalização de uma
organização e de uma política, a força do presidente, e a ambiguidade de preferências políticas
dos atores, entre outros (Batista, 2013; 2016; Rudalevige, 2002). Nesse sentido, quanto maior
o número de atores disputando a política gerando instabilidade política, maior a chance de a
presidência centralizar a política. Por outro lado, na medida que existem poucos atores
envolvidos ou menos disputa, maior a chance da política ser descentralizada a algum
ministério. Ademais, quanto maior a institucionalização, mais difícil uma política ser
centralizada, sobretudo porque é muito provável que leis e normas já atribuam competências e
responsabilidades a ministérios ou secretarias, por exemplo. Dessa forma, se ordenamentos
normativos atribuem responsabilidades a organizações específicas, a presidência não pode
simplesmente centralizar a política e desrespeitar tais normas. Por outro lado, se a
institucionalização é frágil, ou seja, se há poucas ou nenhuma lei ou norma sobre competências
específicas, é mais fácil que a presidência centralize a política para si. Além disso, quanto maior
a força do presidente, maiores as chances de ele conseguir centralizar uma política. Por outro
lado, se o acordo formado na coalizão é mais forte, o ministro pode ter mais força em
determinado campo e, por consequência, ele pode aumentar a chance de uma política ser
descentralizada. Nesse sentido, a centralização de uma política pode pôr em xeque a coalizão e
o apoio no Legislativo. Por fim, quando as preferências do presidente sobre uma política pública
são distintas do ministro, é mais provável que o presidente centralize o policy making e a tomada
de decisão. Por outro lado, se as preferências do presidente e do ministro forem congruentes, é
mais provável que haja descentralização. A despeito desse jogo, todos esses fatores e essas
variações podem também estar sujeitos às lógicas e aos arranjos institucionais de cada área
setorial. Logo, um policy domain pode abranger elementos próprios dissonantes de outras áreas
setoriais.
Apesar de ministérios e ministros serem variáveis de grande importância no processo
das políticas públicas (Palotti; Cavalcante, 2018), seja pela capacidade de produção de políticas
e direcionamentos setoriais, seja pelo controle de informações e capacidades técnicas, é escasso
o esforço para mapear a atuação da burocracia para influenciar o processo de produção de
Ministérios e burocracia no processo de produção de políticas públicas: O caso das agendas do setor de energia
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políticas. As pesquisas têm focalizado os critérios para a nomeação de burocratas (Borges;
Coelho, 2015; Lima, 2020; D’áraujo; Petek, 2018; D’áraujo, 2009; Lopez; Bugarin; Bugarin,
2013; Lopez; Silva, 2019) e de ministros (Palotti; Cavalcanti; 2018; 2019; D’áraujo; Lameirão,
2009), mas pouco exploram as atuações da burocracia e seu envolvimento na formação da
agenda das políticas públicas (Duarte; Lino, 2022; Duarte, 2021).
O controle de informações pela burocracia tem sido o principal aspecto evidenciado
pelos pesquisadores que analisam os ministérios na formação da agenda legislativa do
Executivo no contexto do presidencialismo de coalizão (Batista, 2013). Tal aspecto, inclusive,
aparece com frequência nos estudos sobre formação da agenda das políticas públicas
(Workman; Jones; Jochin, 2009). Porém, para além do poder de informação, a burocracia
precisa ser analisada como ator auto interessado, defensor de perspectivas próprias sobre as
políticas públicas. Esse aspecto tem aparecido nos estudos sobre o alto escalão ministerial e em
agências burocráticas mais insuladas, como é o caso do setor macroeconômico brasileiro
(Loureiro; Abrucio; Rosa, 1998; Olivieri, 2007).
Convergente ao argumento da burocracia com interesses próprios, Abers (2015; 2019)
demonstra a existência de ativismo institucional. Para a autora, a burocracia tem prioridades,
ideologias e concepções sobre políticas públicas que não necessariamente encontram respaldo
no governo. Ligada a movimentos sociais ou não, a burocracia atua no contexto ministerial de
forma a defender pautas específicas no processo de formulação e implementação de políticas
públicas (Abers, 2015). A área de meio ambiente é marcante nos estudos da autora, que
demonstra que burocratas são defensores de pautas ambientalistas no contexto do Ministério de
Meio Ambiente (Abers, 2019). A existência de ativismo pela burocracia é encontrada inclusive
em várias áreas e ministérios setoriais (Abers, 2021).
Na literatura, essa mobilização do auto interesse tem enfocado principalmente o
processo de formulação de alternativas e implementação de políticas, em diálogo com a
literatura sobre a relação entre política e burocracia (Duarte; Lino, 2022). Sobretudo porque a
literatura de política, por meio da perspectiva do ciclo de políticas públicas, foi desenvolvida
com certa convergência sobre o argumento dicotômico da separação entre política e burocracia
(Duarte; Lino, 2022). Nessa perspectiva, os políticos eram responsáveis pela formação da
agenda, pela formulação e pela tomada de decisão, ao passo que aos burocratas restava a
implementação e a avaliação e o monitoramento das políticas (Duarte; Bizelli, 2022). Tal
paradigma é rompido pelas concepções de burocratização da política e politização da burocracia
(Abercach; Putnam; Rockman, 1981), pela influência dos burocratas na formulação e na tomada
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de decisão (Loureiro; Abrucio; Rosa, 1998; Olivieri, 2007) e pela atuação política dos
burocratas implementadores (Lipsky, 1980; Lotta, 2019).
Nessa direção, Workman (2015) mostra que, na verdade, a burocracia tem também um
papel que é menos visível que a formulação de alternativas: a definição de problemas. Para o
autor, os burocratas atuam diretamente na definição daquilo que o governo deve ou não fazer
através de identificar, definir e apresentar aos políticos o que é prioritário. Dessa forma, ao
definir o que é o problema, a burocracia traça causa e efeito sobre fenômenos políticos, sociais
e econômicos que chamam a atenção governamental. Além disso, a definição de problema
também molda as possibilidades para a formulação de alternativas. Logo, a burocracia tem um
papel expressivo na formação das agendas.
Somado a esses aspectos, reafirma-se que a burocracia goza de destaque no Estado
enquanto fonte de informações para subsidiar o processo de tomada de decisão. Workman
(2015) ainda mostra que, nos Estados Unidos, a burocracia
3
constitui-se como primeira opção
de consulta pelos políticos eleitos, sobretudo em contextos de crises e impasses sobre políticas
públicas. Ou seja, quanto maior o grau de ambiguidade no contexto decisional, mais provável
que os dirigentes eleitos chamem burocratas para informá-los. A burocracia, nesse sentido, é
considerada como uma autoridade técnica, respeitada por políticos.
Considerando que a burocracia é uma importante fonte de informação no processo de
políticas públicas, Koga et al. (2021) analisam o que tem informado os burocratas e as
organizações públicas brasileiras a nível federal. Os autores demonstram que as fontes de
informação variam tanto com relação às atribuições
4
da burocracia como também em áreas
setoriais distintas. Dessa forma, reafirma-se que as políticas setoriais têm arranjos próprios e
que o processo de produção de políticas públicas precisa analisar a burocracia com mais
atenção, sobretudo porque burocratas têm comportamentos distintos a depender da política
pública em tela, logo não se trata de uma variável estável.
Outro fator que tem dado novas camadas às informações da burocracia tem relação com
a perspectiva das Políticas Públicas Baseadas em Evidências (Koga et al., 2021). O caráter
científico tem ganhado relevo na produção de políticas públicas, obrigando formuladores a
adotar maior rigor em suas justificativas na proposição de políticas. A burocracia, por
3
O estudo de Workman (2015) analisa o contexto dos Estados Unidos e gera uma série de indagações para pensar
o contexto brasileiro. As evidências demonstradas pelo autor podem corroborar o estudo das burocracias no Brasil,
sobretudo nos ministérios a nível federal. Apesar dos achados de Workman, faz-se uma ressalva quanto às
limitações de generalização ao contexto do estudo a fim de não incorrer em falácia ecológica.
4
Burocratas possuem atribuições relacionais, analíticas, gerenciais e administrativas. Ver mais em Koga et al.
(2021).
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conseguinte, tem papel de destaque nesse movimento pela seriedade com que produz dados,
como também sobre a forma com que analisa e comunica tais evidências. Por outro lado, essa
corrente ideacional tem pressionado a incorporação dos chamados atores técnicos como
também de conselheiros científicos (Jasanoff, 1998), que podem ser externos ao Estado e ao
governo. Esses atores, por conseguinte, rivalizam o protagonismo da fonte de informação de
forma a complexificar o processo de produção de políticas públicas.
Em síntese, esta seção levou a cabo o objetivo de definir a importância dos ministérios
e da burocracia no processo de produção de políticas públicas. O presidencialismo de coalizão
e a delegação de poder ao ministro se mostra relevante, sobretudo com relação ao controle de
informações e da burocracia. Os burocratas, por sua vez, podem agir descolados da lógica e da
agenda tanto do ministro quanto do presidente. Esses aspectos serão aplicados com relação ao
setor de energia, de forma a entender se o Ministério de Minas e Energia tem prioridades
distintas da agenda legislativa da presidência e do Congresso. A próxima seção apresenta o
desenho de pesquisa e as escolhas metodológicas para encontrar respostas.
Metodologia
Este estudo de caso qualitativo analisa legislações e normativas produzidos a nível
federal, de 1995 a 2014, sobre o setor de energia por três grupos distintos: (i) presidência; (ii)
Legislativo; e (iii) administração setorial – que compreende o Ministério de Minas e Energia, a
Agência Nacional de Energia Elétrica, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis, Conselho Nacional de Política Energética e a Empresa de Pesquisa
Energética. É por meio das legislações e normativas que as agendas são mapeadas a fim de
serem contrastadas entre si. O banco de dados é composto por: Decretos do Executivo; Medidas
Provisórias; Portarias do Ministério de Minas e Energia; Portarias Conjuntas do Ministério de
Minas e Energia; Leis Ordinárias; Decretos Legislativos; Resoluções do Conselho Nacional de
Política Energética; Portarias e Resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica e da
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis; e Notas Técnicas da Empresa
de Pesquisa Energética.
Todas as legislações e normativas são codificadas por meio de análise de conteúdo
(Bardin, 1977) tendo como unidade de análise as ementas de cada espécie normativa. A
codificação segue o livro de códigos do Comparative Agendas Project CAP (2022), que
possibilita a identificação das áreas setoriais substantivas (códigos) e as áreas específicas da
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política setorial (subcódigo). Conforme é apresentado no Quadro 1, o livro de códigos utilizado
é composto por 21 códigos. Para este trabalho, foram utilizadas todas as legislações e
normativas codificadas no código 8, referente ao setor de energia. Essas legislações passaram
por um segundo nível de codificação a fim de delimitar a área setorial de energia de forma a
enfocar aspectos mais detalhados das agendas. Ao todo, são utilizadas mais de 15 mil
legislações e normativas codificadas no código 8.
Quadro 1 - Livro de códigos e subcódigos utilizados na análise de conteúdo
Código – Política Setorial
1 - Macroeconomia
2 - Direitos Civis, Políticos, Liberdades e Minorias
3 - Saúde
4 - Agricultura, Pecuária e Pesca
5 - Trabalho, Emprego e Previdência
6 - Educação
7 - Meio Ambiente
8 - Energia
9 - Imigração e Refugiados
10 - Transportes
12 - Judiciário, Justiça, Crimes e Violência
13 - Política Social
14 - Habitação, Infraestrutura e Reforma Agrária
15 - Sistema Bancário, Instituições Financeiras e Comércio Interno
16 - Defesa, Forças Armadas, Militares e Guerra
17 - Ciência, Tecnologia e Comunicações
18 - Comércio Exterior
19 - Relações Exteriores
20 - Governo e Administração Pública
21 - Território e Recursos Naturais
23 - Cultura, Esporte e Lazer
Fonte: Comparative Agendas Project - CAP (2022)
A partir do processo de codificação
5
, são apresentados gráficos de análise de frequência,
que ilustram as diferentes produções legislativas a partir das áreas setoriais de energia
(subcódigos) ao longo dos vinte anos da análise (1995-2014). Além da análise de frequência,
apresenta-se uma descrição exaustiva sobre o conteúdo substantivo das legislações codificadas
(subcódigos), de forma a detalhar congruências e divergências para, dessa forma, identificar
5
O processo de codificação é realizado por dois codificadores diferentes. Em caso de divergência na codificação,
o documento é analisado por um terceiro codificador a fim de sanar a questão e garantir confiabilidade do processo.
Dessa forma, garante-se os princípios de exclusividade, objetividade, fidelidade e replicabilidade na análise de
conteúdo.
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agendas distintas entre Executivo e Legislativo e dentro do próprio Executivo, entre presidência
e Ministério de Minas e Energia que gerencia a administração setorial.
As agendas do setor de energia
Conforme apontado anteriormente, a divisão de poder do Executivo federal no
presidencialismo brasileiro ocorre, dentre outas formas, por meio da distribuição de ministérios
para os partidos que compõem a coalizão (Limongi; Figueiredo, 1998; Batista, 2013; Inácio;
Rezende, 2015). Como este trabalho analisa o caso do setor de energia, é fundamental
identificar quais partidos ocupam a chefia do ministério a fim de entender sob qual dinâmica o
MME opera.
O Quadro 2, nesse sentido, apresenta todos os ministros do Ministério de Minas e
Energia em todo o período democrático recente (1985-2022), bem como os partidos à frente da
pasta e o período que a gestão do ministro durou. Conforme pode ser observado, o MME é um
ministério com alta rotatividade: ocuparam, em trinte e quatro anos de governo democrático,
vinte ministros diferentes; e onze ministros no recorte do presente estudo (1995-2014). Além
disso, nota-se que na maior parte do período, o MME é chefiado por ministros não filiados ao
partido do presidente. Vê-se maior ocorrência de ministros do DEM e do MDB (dentro da
coalizão e, em menor medida, como partido no governo), ainda que os não filiados sejam
parcela relevante. Tais dados corroboram o argumento de que a entrega de um ministério a
partidos da coalizão pode gerar instabilidade política na implementação da agenda do presidente
e, por consequência, dificuldade de manutenção de uma agenda setorial coesa (Araújo; Costa;
Fittipaldi, 2016; Palotti; Cavalcante, 2018).
Quadro 2 - Ministros do MME e seus partidos (1985-2022)
Presidente
Ministro MME
Partido
Ministro
Período da
gestão
José Sarney (PMDB)
Aureliano Chaves
DEM
1985-1988
Vicente Cavalcante Filho
n/i
1989-1990
Fernando Collor de Mello
(PRN)
Patrini de Moraes
n/i
1992-1992
Paulino Cícero de Vasconcelos
PSDB
1992-1993
Itamar Franco (PRN)
Alexis Stepanenco
n/i
1994-1994
Fernando Henrique Cardoso
(PSDB)
Raimundo Mendes de Brito
PT
1995-1998
Rodolfo Tourinho Neto
DEM
1999-2001
José Jorge
DEM
2001-2002
Francisco L. Sibut Gomide
n/i
2002-2002
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Dilma Vana Rousseff
PT
2003-2005
Silas Rondeau C. Silva
n/i
2005-2007
Edison Lobão
DEM; MDB
2008-2010
Cristiano Parra DUARTE
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Marcio Pereira Zimmermann
n/i
2010-2010
Dilma Vana Rousseff (PT)
Edison Lobão
MDB
2011-2014
Eduardo Braga
MDB
2015-2016
Marco Antonio Martins Almeida
n/i
2016-2016
Michel Temer (MDB)
Fernando Coelho Filho
MDB; DEM
2016-2018
Moreira Franco
MDB
2018-2018
Jair Bolsonaro (PSL/PL)
Bento Costa Lima Leite de
Albuquerque Junior
n/i
2019-2022
Adolfo Sachsida
DEM
2022-2022
Nota: n/i = filiação partidária não identificada no período que ocupava o cargo. Nota: existem ministros
que alteraram a filiação partidária no exercício do cargo, por isso aparecem duas legendas.
Fonte: Elaboração própria
Considerando a rotatividade expressiva do MME e que geralmente o ministério é gerido
por partidos da coalizão e não filiados ao partido do presidente, ficam questionamentos sobre a
produção legislativa do setor de energia e sobre o que em específico ganha atenção ao longo do
tempo. A Figura 1 condensa as análises de frequência das legislações e normativas aprovadas
de 1995 a 2014. O recurso utilizado ilustra as variações da atenção sobre temáticas específicas
de forma a gerar retratos ano a ano daquilo que foi alvo de produção legislativa e normativa.
Conforme destaca Duarte (2021), a produção de legislações, sobretudo em Leis Ordinárias, tem
correlações baixas em quase todos os subcódigos. Quando existe correlação média, a associação
é feita entre as leis e as normativas produzidas pela administração setorial. Dessa forma,
imprime-se a percepção de que a agenda setorial move a aprovação de leis no Congresso
Nacional. Além disso, fica claro nos gráficos apresentados que a aprovação legislativa pelo
Legislativo Federal enfoca áreas setoriais distintas das temáticas focalizadas pelos recursos
legislativos da presidência. Dessa forma, aponta-se, de um lado, um afastamento das prioridades
do Congresso da agenda legislativa do presidente e, por outro lado, um indicativo sobre um
insulamento do setor, dado que a produção normativa é mais expressiva quando a origem advém
do Executivo, principalmente da administração setorial.
Conforme pode ser visto, o Congresso atua sobre questões gerais na maior parte do
tempo (subcódigo 800). Detalhadamente, o caráter genérico da agenda sobre o setor de energia
no Legislativo Federal brasileiro passa a maior parte do tempo aprovando alterações sobre o
orçamento do MME e de estatais e agências sob a responsabilidade ministerial. Além disso, a
segunda área setorial que mais focaliza atenção do Congresso Nacional diz respeito às temáticas
do petróleo e do gás natural (subcódigo 803). No entanto, a maior parte dessas legislações
referem-se à promulgação de medidas relativas à reforma do setor do petróleo no período
Cardoso, de ajustes a essas medidas nos anos petistas e a incrementos na estrutura
organizacional e orçamentária da Petrobras e de outra estatais do setor. Em menor medida, o
Congresso atuou de forma mais enfática somente na questão do pré-sal, sobretudo na
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distribuição dos royalties e na criação do fundo social. Em Decretos Legislativos, resguardadas
as limitações dessa espécie normativa, o Congresso aprovou somente medidas de infraestrutura
propostas pelo Executivo. Dessa forma, podemos ver, a partir da descrição das legislações, que
o setor de energia ascende à agenda do Congresso principalmente por acionamento do
Executivo para aprovar legislações de seu interesse. São poucos os momentos em que o
Legislativo Federal focaliza o setor de energia sem que seja para aprovar a agenda legislativa
do presidente.
Quando analisamos as prioridades do Executivo Federal, entre presidência e
administração setorial, notamos que as temáticas da produção legislativa são diversificadas ao
longo do tempo. Em Decretos do Executivo, eletricidade e hidrelétricas (subcódigo 802) é a
temática que mais focaliza a atenção. No entanto, o objeto de atenção dos decretos é distinto
nos vinte anos de análise. Nas gestões Cardoso, essa espécie normativa é utilizada sobretudo
no marco da reforma do Estado e na alteração da lógica de gestão do setor elétrico, sobretudo
com relação às concessões e à expansão do sistema de transmissão e distribuição e à criação da
ANEEL e das alterações do marco institucional que a agência representa. Além disso, Cardoso
utiliza de decretos para remediar a crise elétrica e tentar solucionar os notórios apagões que
ocorrem sobretudo no final do seu segundo mandato, principalmente com medidas de
racionamento e redução de consumo e à expansão de geração e transmissão emergenciais. A
questão do petróleo, na administração Cardoso, também versa sobre as mudanças institucionais
do setor, sobretudo direcionado à quebra do monopólio da Petrobras e ao novo modelo setorial
implantado. nos governos do PT, o setor se mantém entre as prioridades com relação à
contrarreforma
6
do setor elétrico, à criação do Luz para Todos (e de todo o aparado estatal
necessário para sua implementação) na direção da universalização de acesso à energia, e sobre
obras de infraestrutura de hidrelétricas de diferentes dimensões. Com relação ao setor de
petróleo e gás natural, os decretos incidem sobre o fortalecimento do mercado nacional,
sobretudo com respeito às tarifas do recurso e sobre o pré-sal. Energias renováveis, por sua vez,
são mais presentes nos governos petistas, versando sobretudo os biocombustíveis e as pequenas
centrais hidrelétricas.
Com relação às Medidas Provisórias, nota-se que essa espécie de normativa presidencial
não foi utilizada em todo o período analisado, ficando de fora em 2005 e 2010. Além disso, as
6
A contrarreforma pode ser entendida como a recuperação da capacidade estatal no planejamento e na formulação
das políticas energéticas, sobretudo pela retomada da ação pelo MME (Mercedes; Ricco; Pozzo, 2015; Duarte,
2021).
Cristiano Parra DUARTE
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Medidas Provisórias são menos utilizadas do que Decretos pelo presidente e a maior parte delas
é utilizada nas gestões Cardoso. Seu uso ocorre geralmente relacionado ao marco de alterações
institucionais do setor no marco da Reforma do Estado. Os governos petistas, editando menos
Medidas Provisórias, focalizam sobretudo ajustes no sistema elétrico, no contexto da
contrarreforma setorial, e direcionamentos do Programa de Aceleração do Crescimento.
Figura 1 - Análise de frequência de legislações e normativas do setor de energia (1995-2014)
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Atenção
Ano
DECRETOS DO EXECUTIVO
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Atenção
Ano
MEDIDAS PROVISÓRIAS
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1997
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Aenção
Ano
PORTARIAS DO MME
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Atenção
Ano
PORTARIAS INTERMINISTERIAIS MME
0
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Atenção
Ano
RESOLUÇÕES CNPE
0
0,2
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1995
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Atenção
Ano
LEIS ORDINÁRIAS
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Atenção
Ano
DECRETOS DO LEGISLATIVO
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Atenção
Ano
PORTARIAS E RESOLUÇÕES ANEEL
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Fonte: Adaptado de Duarte (2021)
A administração setorial, por outro lado, demonstra um comportamento diferente. Como
pode ser visto nas portarias editadas pelo Ministério de Minas e Energia, as prioridades não se
referem às hidrelétricas em todo o período. Na verdade, fontes alternativas ganham maior
espaço na agenda ministerial, se sobressaindo quando comparamos com os direcionamentos
das produções legislativas do presidente e, ainda mais, nas leis aprovadas no período pelo
Congresso Nacional. O MME, nas gestões Cardoso, segue a edição de portarias relacionadas à
reforma setorial. Nos governos petistas, por outro lado, observamos um comportamento
diferente. Nesse contexto, a capacidade ministerial é expandida e as prioridades do MME
passam a ser a diversificação da matriz energética brasileira. Para além de medidas sobre os
programas de infraestrutura e a universalização do acesso à eletricidade, o ministério passa a
priorizar energias renováveis e alternativas.
Nas Portarias Interministeriais editadas conjuntamente com o Ministério de Minas e
Energia, a tendência é a manutenção das prioridades do presidente, ainda que as temáticas mais
tratadas sejam distintas. Em Cardoso, o setor de petróleo e gás natural é preponderante, sendo
as normativas direcionadas para tarifas e preços. Durante os governos petistas, as portarias são
voltadas em maior medida para o setor elétrico, sobretudo relativo à infraestrutura e ao preço
da energia elétrica. Além disso, o período também assiste uma importante ampliação da atenção
sobre eficiência energética, pauta que demanda ação conjunta de uma porção de ministérios.
O comportamento é um pouco distinto quando observamos as resoluções do Conselho
Nacional de Política Energética. Com exceção do período Cardoso em que o CNPE teve a crise
elétrica como prioridade, seguindo a ação do governo, os demais anos seguem com o conselho
tendo capacidades de produzir normativas incidentes às variadas setorialidades da área de
energia. Observam-se resoluções para grandes obras de infraestrutura, para taxas e preços de
energia elétrica, combustíveis, gás natural, biodiesel, questões relacionadas ao pré-sal, a
tratados de energia com países vizinhos, entre outros. Dessa forma, o conselho setorial
0%
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1998
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2010
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2012
2013
2014
Atenção
Ano
PORTARIAS E RESOLUÇÕES ANP
800 801 802 803 805 806 807 898 899
0%
20%
40%
60%
80%
100%
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Atenção
Ano
NOTAS TÉCNICAS EPE
800 801 802 803 805 806 807 898 899
Cristiano Parra DUARTE
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demonstra ter uma maior capacidade para gerir a área setorial em direções diferentes da agenda
legislativa do presidente, sobretudo porque o CNPE é presidido pelo MME. Além disso, o
conselho ainda conta, para além de outros ministros de Estado, de representantes da sociedade
civil, de estados e distrito federal e de universidades brasileiras. Os ocupantes dessas cadeiras
são reconhecidamente pessoas com importantes saberes na área setorial, corroborando a ação
do conselho.
A administração setorial ainda conta com a ANEEL e a ANP, agências reguladoras que
operam com autonomia, mas que são vinculadas ao MME. Agências reguladoras concentram
burocracias especializadas em áreas setoriais e têm sido analisadas como organizações com
agendas próprias (Majone, 1999). Dessa forma, é fundamental mapear a produção de
normativas produzidas por elas a fim de identificar convergência ou divergência com o MME
e/ou a presidência.
Quando se analisa a produção de portarias e resoluções da ANEEL, nota-se uma alta
produção de normativas incidentes sobre o setor elétrico distribuída em sua maior parte entre
hidrelétricas, termelétricas e fontes renováveis. Tal comportamento é evidenciado no nível de
agregação codificado nos subcódigos. Duarte (2021) aprofundou a codificação para um terceiro
nível a fim de identificar aspectos mais detalhados das setorialidades. Os achados mostram que
a agência reguladora tem uma importante mudança na produção normativa na área de
hidrelétricas, uma vez que a atuação sobre pequenas hidrelétricas passa a ser mais expressiva
quando comparada às grandes usinas hidrelétricas. Além disso, fica marcado o aumento da
produção normativa de incentivo às fontes renováveis, sobretudo a eólica. Esse comportamento
da agência sinaliza, de um lado, a reafirmação de uma agenda própria e, de outro lado,
convergência com a crescente priorização das energias renováveis e alternativas que cresceram
na agenda legislativa do MME. Dessa forma, desponta indicativos sobre a associação entre
ambas as organizações.
A ANP apresenta um comportamento similar na produção de normativas. Nos anos
Cardoso, a agência volta sua atenção para a estruturação regulatória do setor após a reforma do
Estado e a alteração do arranjo institucional do setor. Nos anos petistas, cresce a participação
das portarias e resoluções que versam sobre combustíveis renováveis. Se em Cardoso a baixa
atenção era relativa ao etanol, os anos seguintes esboçam acréscimo relevante sobre o
combustível, mas passa a priorizar com mais ênfase o biodiesel, sobretudo após o marco do
Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, criado em 2004.
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Outra organização fundamental em torno da área de energia é a Empresa de Pesquisa
Energética. Criada em 2004, a estatal é concebida como uma alternativa para resgatar o
protagonismo estatal no planejamento do setor de energia, representando inclusive um marco
no processo de mudança da agenda e da gestão do setor (Duarte, 2021). Ao lado das agências
existentes e da própria burocracia do MME, a EPE é pensada para subsidiar a tomada de
decisão do Executivo através da realização de estudos técnicos e planejamentos de médio e
longo prazo sobre o setor. Para além desses materiais, a estatal também produz notas técnicas
que dão direcionamentos importantes no gerenciamento setorial. Analisando especificamente
essas normativas, a grande maioria das notas técnicas versam sobre a diversificação da matriz
energética brasileira enfocando principalmente as fontes renováveis e alternativas. Dessa forma,
a agenda da organização criada especificamente para a produção de informações a subsidiarem
a tomada de decisão no setor segue um mesmo direcionamento: as fontes renováveis.
Conforme visto tanto nas análises de frequência quanto na descrição do conteúdo
substantivo das legislações e normativas, demarcam-se diferenças relevantes na agenda
legislativa do presidente, nas leis aprovadas pelo Congresso e em normativas produzidas pelas
organizações que compõem a administração setorial. A tendência, nesse sentido, aponta para a
existência de uma agenda setorial que aparenta ser descolada das prioridades do presidente e,
sobretudo, dos parlamentares. Talvez por isso a literatura esteja apontando para um setor com
consideráveis problemas em processos decisórios (Gomide; Pereira, 2018). Isso demonstra, no
limite, um relativo insulamento setorial formado por um arranjo organizacional que administra
uma pasta com certa autonomia e com uma agenda própria. Os dados sugerem que esse é um
processo recente, aparecendo principalmente nos anos das gestões do PT. As administrações
Cardoso mantêm convergência na produção de legislações e normativas.
Conforme apontado na literatura, esse é um fenômeno esperado no contexto do
presidencialismo de coalizão brasileiro (Palotti; Cavalcante, 2018; Batista, 2013, 2016; Inácio;
Rezende, 2015), sobretudo porque o Ministério de Minas e Energia geralmente é chefiado por
alguém externo ao partido do presidente. É o que explica, por exemplo, programas de relevo
estarem vinculados ao gabinete da Casa Civil ou a comitês gestores e não ao ministério
especificamente, como é o caso do Luz para Todos, por exemplo (Duarte, 2021). Apesar disso,
destacam-se três informações relevantes observadas a partir dos dados analisados. A primeira
delas diz respeito ao fato de que, pela pasta ter ministros sem filiação ao partido do presidente,
há uma alta rotatividade. Tal rotatividade é observada em todo o período analisado. A segunda
delas relaciona-se à tendência de uma formação de agenda própria da administração setorial
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que tem relativa estabilidade apesar da rotatividade do ministro. A terceira delas diz respeito a
não existência do fenômeno em todo o tempo. Ou seja, apesar da alta rotatividade de ministros
que em sua maioria não são filiados ao partido do presidente, a formação de uma agenda própria
não é observada nas gestões Cardoso.
O que explicaria tal processo? A hipótese aqui planteada sugere que a formação de uma
agenda própria na administração setorial ocorre em decorrência das prioridades da própria
burocracia do setor de energia. O argumento se ancora nos dados produzidos por Cavalcante,
Camões e Knop (2015) que defendem que a burocracia de médio escalão do setor de
infraestrutura como um todo
7
são os que mais têm formação superior, advém com frequência
do quadro de carreiras do Estado tendo como maior tempo de experiência o setor privado.
Batista e Lopez (2021), analisando especificamente o alto escalão das burocracias ministeriais,
apontam que o setor de infraestrutura é altamente ligado a interesses partidários e tem
indicações politizadas. Dessa forma, o perfil da própria burocracia é diverso e segue lógicas
que podem ser conflitantes. Apesar disso, Koga et al. (2021) lança luz sobre as fontes de
informação utilizadas pelas burocracias federais brasileiras. Sobre o setor de infraestrutura, o
que os autores apontam é que essa área busca informações sobretudo em contextos externos ao
governo e ao Estado. Sendo assim, reforça-se o argumento de que, apesar de altamente técnica
e com formação educacional de relevo, a burocracia da área de infraestrutura tem importantes
redes com setores distintos da máquina estatal e é dessas relações que derivam maior parte das
informações que subsidiam sua atuação.
Esse dado levantado por Koga et al. (2021) é importante para pensar o caso do setor de
energia, sobretudo porque a relação com agentes externos ao Estado ligada à burocracia setorial
pode estar relacionada à formação de uma agenda autônoma. Os achados sobre o Ministério de
Meio Ambiente analisado por Abers (2015) são importantes para se fazer um paralelo com o
caso do Ministério de Minas e Energia, sobretudo porque o setor de energia tem uma importante
congruência com a pasta do meio ambiente. Abers (2015) demonstra que a burocracia do
Ministério do Meio Ambiente realiza ativismo dentro do ministério para priorizar pautas
ambientalista. Ademais, o contexto temporal apresentado por Abers (2015) é inclusive similar
ao analisado por este estudo. Considerando que a agenda que parece estar se formando no
âmbito da administração setorial de energia tem priorizado as questões relativas às fontes
7
O setor de infraestrutura, que congrega as áreas de energia, transporte, habitação e saneamento, foi unificado
para a pesquisa do perfil da burocracia tanto em Cavalcante, Camões e Knop (2015), Batista e Lopez (2021) quanto
na pesquisa sobre a fontes de informação da burocracia federal de Koga et al. (2021).
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renováveis e alternativas, não estaríamos de frente com um caso similar, tendo em vista que as
fontes limpas carregam pautas ambientalistas? Essa é uma hipótese a ser testada futuramente a
partir de outros dados e evidências e outras estratégias metodológicas.
A posição defendida por esse trabalho, após as análises de frequência e pela análise
descritiva das legislações e normativas aprovadas, é a de que existe um indicativo de que parece
existir uma agenda da administração setorial que é implementada com certa autonomia da
presidência e do Congresso Nacional. A partir da análise à luz da literatura sobre poder no
Executivo e burocracia no processo de produção de políticas públicas no contexto brasileiro,
postula-se a hipótese de que essa agenda pode ser oriunda da burocracia setorial, que tem
priorizado a diversificação da matriz energética brasileira prezando pelas fontes renováveis e
alternativas.
Considerações finais
Os arranjos institucionais e organizacionais do setor de energia suscitam a necessidade
de analisar o processo de produção de políticas como dependentes da dinâmica do
presidencialismo de coalizão, sobretudo porque o poder no Executivo esdividido entre a
Presidência e os ministérios setoriais, que controlam burocracias da administração direta e
indireta. Conforme visto, o Ministério de Minas e Energia, responsável por organizações que
administram a área setorial, geralmente é chefiado por ministros não filiados ao partido do
presidente. Esse é um dado que gera questionamentos sobre a rotatividade do ministério, sobre
a estabilidade das políticas no setor e sobre a centralização ou descentralização do policy-
making process da área setorial. Conforme visto, o caso do MME apresenta alta rotatividade,
mas apresenta certa estabilidade em suas políticas públicas, ainda que existam programas
centralizados à presidência ou conjuntamente ao ministério.
Através da análise de frequência realizada a partir da análise de conteúdo e do processo
de codificação sobre as áreas temáticas em legislações e normativas, são identificadas
prioridades distintas e divergências importantes entre as agendas da presidência, do Legislativo
e da administração setorial. Além disso, quando se analisa com maior profundidade o conteúdo
substantivo do dataset, são identificados processos de focalização sobre alternativas
conflitantes: presidência e Legislativo priorizam com maior frequência questões de energias
não renováveis, ao passo que a administração setorial tem uma agenda marcada sobre fontes
renováveis. Esses achados sugerem a existência de uma agenda da administração setorial que
parece operar com certa autonomia da presidência e ainda mais do Congresso Nacional.
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Dado que o MME, que é a organização que coordena a administração setorial, tem uma
alta rotatividade e que o processo de priorização das fontes renováveis tem um comportamento
crescente e relativamente estável apesar dessa rotatividade, este trabalho postula a hipótese de
que esse processo está relacionado com as prioridades da própria burocracia setorial. Conforme
apontado, o setor de infraestrutura tem importantes relações com agentes externos ao governo
e ao Estado, o que suscita pensar na porosidade de questões que vão além da agenda legislativa
do presidente. Além disso, a agenda voltada para energias renováveis é bastante próxima de
pautas ambientalistas, que sugerem a adesão temática pela burocracia do setor de energia, assim
como ocorre com o contexto do Ministério de Meio Ambiente, que assiste a ativismo por parte
de sua burocracia.
Apesar dos achados, ainda restam questões que não puderam ser respondidas por esse
estudo, que se limita a analisar as legislações e normativas produzidas. Fica como agenda de
pesquisa futura a realização de entrevistas de forma a entender de que forma essa burocracia
atua no processo de produção de políticas no contexto da administração setorial, quais são os
mecanismos de cooperação com ministros e qual a relação com os dirigentes eleitos. Além
disso, dados que a literatura tem estudado o setor de infraestrutura como um todo, são
necessárias investigações qualitativas em profundidade sobre o setor de energia, de forma a
detalhar o policy-making dessa área em específico. Tal investigação pode gerar importantes
contribuições para entender o processo de produção de políticas no Brasil, sobretudo
relacionado ao presidencialismo de coalizão e para conhecer a burocracia federal.
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